27 de dezembro de 2009
Trocando em Miúdos
Pensei ter chegado às 7:17. O relógio da cozinha marcava 7:12; o do quarto, 7:19 Pensei também que nos despedíamos às 21:45 e que eu cruzava tua porta, a última, dois minutos depois. Às 21:47, ainda nos amávamos? Mentira: amores, quando terminam em veraneio, terminam com uma hora de atraso. Foi isso, então.
7 de dezembro de 2009
1 de dezembro de 2009
Homenagem ao Malandro
Este é bandidinho. Corre miúdo, girassol . Meio-fio, cruza o sinal. Estende a toalha, dobra o lençol. Saca os dados, não chacoalha. Não lança, canta o final. Sacana, sacaninha. Imita samba, não dança. Salta miúdo, dobra seis. Meia-noite, cruza o lençol. Chacoalha a sandália, não girassol. Esconde a toalha e o porte ilegal dum bemol.
9 de novembro de 2009
Angélica
Aos olhos chorosos e inúteis disse dali, pregado em martírio: acalma-te, mãe, que o peito ainda vive. Crente, ligou o rádio e pode cantarolar um samba-canção, cuja letra lhe escapava.
5 de novembro de 2009
Minhas madrugadas
O calor - demais - derretia os corpos sobre a cama. Os punhos cerrados não reteram a carne desfeita em lágrima. Um carro derrapava em roxa velocidade pela noite paulistana. O menino insone não viu. Mas que bobagem: era a lua nova tão grávida da última madrugada.
30 de outubro de 2009
Por causa de você
Síndrome de Penélope. Doméstico signo de trabalho. Volta: vê a ti no baralho viciado; primeiro noviciado da fortuna: lance de dados. Na mesa, na mesa da casa, está posto o banquete. Ceia posta. Fala. Tudo parece irremível, velho. E o vinho - esquecido aberto.
22 de outubro de 2009
Cotidiano
Do meu velho morto os dias em tediosas sobrancelhas. Amor, o trilho? Dá-me velas épicas, o beijo das oliveiras. Boa noite, bom dia. O cabelo corto amanhã; o cotidiano não: contarei as novas ao trabalho da tesoura. Três moedas ou trinta palavras ou algo assim. Era noite em Singapura e o trem já partira da Luz.
11 de setembro de 2009
Construção
A casa deslocou-se três centímetros. Os que dentro dormiam sequer notaram. Despertos, seguiram o protocolo do dia. A história é outra. Começa: bom dia, tudo bem?; tudo. A resposta não se interessou pela tréplica. Três centímetros: quase nada.
7 de setembro de 2009
15 de julho de 2009
As time goes by
I forgot we said no questions - era esta a fala, se bem me lembro. Hoje é dia, amanhã pode ser aniversário ou revéillon, amanhã ainda não é. Hoje é incômodo feito sarna, papel largado, ontem ainda não era. Espreitas o presente, conheces meu passo. Quisera confiar no sorriso envergonhado do anônimo naquele toque não atendido. Quisera crer que o restante não foram sobras - é todo doce que se consome aos bocados. Não sou o acento errado e controlas o texto. Leia com vagar, compassado.
11 de junho de 2009
Teresinha
Alguns passam julgando ser um atalho. Alguns passam pelo prazer da dificuldade aparente. Alguns, perdidos, simplesmente passam. Invariavelmente todos chegam a mim pela guarida. Senhores, repito, a guerra é injusta; a demanda, precipitação. Por acreditar, fiquei pelo caminho. Para esperar não os que vigorosos passam, mas o derrotado que há de voltar.
7 de maio de 2009
Where or When
Noite caída em corpos circulares, especulares cartografias. Seus olhos são verdes? Castanho claro, é a luz. Você parece aquele ator, esqueci o nome. (Ma mio misterio è chiuso in me.) Quisera corar em francês, ir para cama em italiano. Você é tão pequenininho. Nada de novo. Ruborizo pela liturgia. Eu queria dizer uma coisa, me lembra um verso. Vaidades: cala, cala, cala.
26 de abril de 2009
Futuros Amantes
Do chuveiro veio a matéria suspensa. Entre espumas e sabonetes, pelo apartamento. Lençóis alagados, alagadas almofadas. Não cessava, não cessava. Janela a dentro - deu no jornal: bom tempo na cidade; pancadas pelo interior. Entre sabonetes e espumas, pelo apartamento. Consumidos os armários, ralearam café e soneto: papel já pele que o toque desfaz / diluída tinta do azul ao púrpura/ jaz vaga qual às palavras apraz. Indeed, my lord, you made me believe so. Açúcares misturados aos ácaros afogados. Muita saúde era ressaca. Estranha infusão, estranho aquário. Um hausto. Guela a dentro - deu no jornal: acharam-na boiando, a donzela, num quadro que julgaram démodé, mas calaram em respeito ao luto.
14 de abril de 2009
Folha morta
Caixa esquerdo coração: Sinatra & Jobim, El amor en los tiempos del cólera, As sonatas para cello de Brahms: medíocres metonímias. Alô, não tem ninguém com esse nome. Esperei algum tempo para entregar o presente que acabou entregue ao quadrado papelão de memória. Herança secreta solteira. In pectore. Desculpa, foi engano.
13 de abril de 2009
A cereja e o vermouth
Parece bolero. Eu disse: veja algo com baixo teor de desilución. Completei sussurrando pro anônimo ao lado: é que sou fraco pra essas coisas - pois que havia me subido à cabeça.
10 de março de 2009
Dor de cotovelo
Eu - começa a loucura. Invento estimação. Cão com vôo. Mania de carinho, mania de cuidado. Comércio de colares. Insônias cóleras. Dio, come ti amo! Eu - começa a história. Invento espaço; tempo invento. Giro em círculos, finjo-me morto. Espelho insurreto. É preciso vencer. Guerra do objeto. Parasita armada. Sob a pele, sob a célula. Eu - começa incrédula. Cão e ninho. Cão e filho. Baixo cúme: a prole-suga do ciúme.
7 de março de 2009
Clube da Esquina nº. 2
Acordou o despertador, eu já havia despertado. Desejei-te em lembrança e perdi teu rosto. Drummond falou d'essas coisas' interditas às seis. Chorei, não pingou. Saudei senis amores que não se pensam mais. Procurei uma longa conversa telefônica. Quis condenar algo; nada ocorreu-me. Resmunguei estas linhas. Olhei a janela longamente. Volto a escrevê-las. Aí não faz mais sentido. Aí é tacanho e infantil. Lembro da amiga que chega em casa. Julgo vulgar meu estado. Almejo coisas simples e vejo justiça nelas. Nada irá mudar. Verei um círculo. Talvez a bola, que não chuto. Talvez a lua, que é uma convenção. Resumirei em juvenília esta história contida num livro cheio delas. Atrasarei para o trabalho. Aí foi sábado e não descansei.
5 de março de 2009
O amor em paz
O ocaso estendido em passos. Andar passado. Prenúncio de chuvas na antiga linha seca. E ofereceu-me o mundo. Tantos mais passos sob nuvem negra. E insistiu na oferta. Dê-me teu silêncio sólido e perene - respondi. Vi pedras e preciptei-me. Passou; água não veio. Nalgum outro deserto, o povo deu graças.
1 de março de 2009
Ana Luíza
Mel em multicores, multicopas. A bosssa, a barba rala. A princesinha, a pérola, a pala. A via sacra em mosaico ao mar. Corpo de malas. Mates, remates. - Contemplei a criação; era boa. Nada disse. Despedi-me, no sétimo dia, em desalento e diesel.
27 de fevereiro de 2009
Sobre todas as coisas
Sobre a cúpula dos canhões procurei-a nalgum azul. Aquela palavra. As demais usurpavam-se, pois a guerra é injusta. Um estrondo fez o silêncio ampliar-se em ecos. A pedra se preencheu do som jamais ombreado pelos cilindros a mirar o mar. Se ouvíssemos.
17 de fevereiro de 2009
Dream a little dream of me
Sonhos procuraram tua silhueta. Saltou souvenirs e poeira. Passou chansons d'amour, passou cansos, sestinas. Pisou sigiloso em subterrâneo leito. Damsel in distress. O súbito anti-amém: assim não foi.
16 de fevereiro de 2009
Lover man
Gastei uma hora para encontrar o mineiro, que disse: Quero ser amado por e em tua palavra / nem sei de outra maneira a não ser esta / de reconhecer o dom amoroso. Se não falo de amor, digo que estou apaixonado pela idéia do hálito da boca de uma palavra que faz girar a mó das águas de um não-março. Não entendam mal: se não existe em verdade, se não existe em mentira, existe no espaço entre duas unhas. Ponte avulsa. Vicário útero.
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