17 de fevereiro de 2008

Inútil Paisagem

E chover nos causa tantos transtornos, amor. Já esquecemos a antiga reverência, o milagre de existirmos em precipitação. Façamos da chuva cheia, do vento vaga, das gotas grãos. E minha mão que, por estranhos processos, ainda conserva certo aroma teu. Aplaudo a Senhora. O asfalto liquefeito no curso cadenciado de minhas palmas. No direito a tarde, no esquerdo madrugada. Meus braços em riste. Movimento as marés: reconstruo a minha casa neste meio-fio. Ela guarda os segredos, e me atende.

9 de fevereiro de 2008

Você não sabe amar

Ai que preguiça, amor... De te ouvir falar outra vez de grandes planos para o futuro, amores e viagens sem destino. De teus questionamentos miúdos sobre vida e metafísicas. De tuas artes poéticas. Amor, e se ficássemos quietinhos? Afastemos este espelho e seus barroquismos. Porque não iremos ganhar as estradas. Nossas páginas guardam o único segredo, aquele que responderia, afinal, o porquê delas existirem. Fiquemos com o pó. Porque nossas orgias e pecadinhos servem mais para contar aos outros e a nós e menos a algum propósito de evolução espiritual. Ou corpórea, se preferir - o objeto de culto não altera os rituais. E então te apaixonas pelo teu próprio texto, quando o texto tem tanto sangue quanto aquele pé de arruda. Este mundo, amor, não se presta a isto. Aqui se exercita outra carne. Deixemos tua megalomania existencial para embalar teu sono ou para mascarar-te a rotina dos dias. Antes de ires, amor, reclame novamente minha sempre condescendente opinião e não te esqueça de meu beijo. Vá seguro de ti, enquanto eu arremesso ao cesto uma nova bolinha de papel e tento assim um último acerto.