27 de abril de 2008

Ruas que sonhei

Começa, mas em arranjo de poucos... acordes: é sono. De sobrancelha baixa - é o peso da noite. A noite também é um arranjo. Silencioso. Um pacto: que nos fizéssemos dia, lua nova. Esqueça o cigarro e a bebida. Esqueça um livro novo e vitrines. Esqueça também aquela sombra. Para que o sorriso, por fim, dependa só dos dentes. É sono. De exceção. Chegar em casa e haver um cão, não haver aquela praia. Deitado, o horizonte de minha janela se aprofunda e cai. Há um mundo que eu queria às avessas. Desconcerto e... acordes: sim, é sono. As coisas seguem como uma segunda-feira. Revés de alvorada. Via cansada. Passa. Se caído, tido por morto: está vivo, é sono e sono é também derrota. Pois que já estava tarde numa além-clara manhã.

22 de abril de 2008

Imagina

Fragilidade: coisa que evitei pelas duras costas que inventei. Coração-palafita e fracasso: estou na cheia, corpo estranho solto entre sargaços... e a lágrima que parece descer de montanhas já riscou seus meandros por entre as rochas: chega-me com facilidade - eu que sempre me fiz alto, é preciso que se diga, eu que tentei ser pedra e só me fiz vidro nestas páginas desertas, é preciso que se diga! Estou perdendo a prática: fôlego curto, perna fraca. Esperei. A voz de quem? O verso - aquele - que te mandei. Esta escrita truncada, monótona: porque o mar não existe. Mas sei que a próxima onda alcança o castelo. Você faz outro, menino.

21 de abril de 2008

Choro Bandido

Confesso a falta de luz. Confesso o luto por que ainda era fruto e não se fez semente. Confesso o improduto presente. Confesso minha ignorância mais fútil - verso confesso. Que não foi acidente a última desfeita, mas o foi o soneto, o foi a receita. Confesso a suspeita: o olho a espreita, a mão direita, a punheta confesso. Confesso a decência a prudência a mesura. Confesso o café da mesa posta, o silêncio em compotas, o assento da avó morta. Confesso minhas costas, a fofoca. Confesso a glosa, o gloss, a intriga cinta-liga. Confesso a palavra mendiga, bendita que me escapa. Confesso os livros que não li e imito e as piadas de que ri, sem as ter entendido. Confesso render-me à moda e à vitrola. Mundo a fora e o mudo quarto crescente em mim confesso. Confesso claire de lune o câncer e a astrologia. Confesso a confissão que me refugia em óbvias rimas. Confesso de mentira - confesso.

1 de abril de 2008

Amando sobre os jornais

Ausento-me para colecionar recortes das colunas. Notícias vencidas. Porque já é constrangedor responder ao 'e as novidades?' quando só quero ouvir um velho samba-canção. Daqueles que assobiam; eu conheço os versos. Aceno. É para sorrir. Imaginei para mim uma espécie de cardápio: com fotos, preferências, disponibilidades e riscos. Vejam vocês, falhou. Converso com precários quadros, pelo caminho vou deixando este rastro brilhante de passo lento. Talvez me encontrem em pequena nota, desfeito no sal do mar. O suco de laranja sem açúcar faz sentido - só não entendo esta mesa enorme, os arredores e eu. Senhores em solene assembléia, na qual represento os que resolveram, ainda muito jovens e sem consciência disso, ler jornais e ter sorriso fácil como medidas compensatórias. Falo timidamente, no vernáculo, confiando em tradutores. Piadas babélicas não têm mais graça. Traições, mal-entendidos e esdrúxulas combinações: um bom dia para colecionadores. Estar sozinho é ler o jornal e não saber se era amor ou certa notícia que revelava: o muco das lesmas é cicatrizante e despoluidor. Lembrei-me de praias desertas.